Relatos
Travessia Altamira a São José da Serra
Partimos para uma grande caminhada: de lugar insólito, com belo nome (Altamira) iríamos por o pé na trilha. Saímos de Beagá bem cedo, em direção ao Espírito Santo, pela BR 381, até Nova União, de onde seguimos para o distrito de Altamira de Cima. A van nos deixou 4 km depois da bela igreja colonial, à beira de um regato. A partir daí, em torno de 1050 m de altitude, iniciamos árdua subida à esquerda da estradinha, descortinando o estreito vale abaixo. Nos primeiros 2 km, subimos 200 metros! A partir daí, não há mais subidas íngremes, até o término, no dia seguinte. Todo o trajeto se faz em vertentes da bacia do rio São Francisco, rumo ao sul, atravessando lindas campinas de altitude, ladeadas por cristas rochosas à direita e esquerda, no limite sudoeste do Parque Nacional da Serra do Cipó. (veja os detalhes dessa travessia).
Passada a primeira campina, nossos guias e suas mulas cargueiras logo nos encaminharam para um trilho somente identificável por conhecedores. Atravessamos um riacho, subimos em direção a outra ravina. O solo mudou para areia quartzosa, branca e infértil, e as plantas típicas dos campos de altitude do Espinhaço começaram a se mostrar. A belíssima luz de altitude a brisa fresca tornaram a caminhada ainda mais agradável. Após pequena crista rochosa, chegamos à terceira campina, de onde foi possível avistar o maciço do Caraça, a Pedra do Baú, próxima a Sabará, e o pico do Bicudo, limite do PARNACIPÓ, bem próximo ao ponto mais alto da Serra do Cipó – o pico Montes Claros, a 1697 m de altura. Estávamos no ponto mais alto de nosso trajeto: 1490 metros sobre o mar. Serras de ambos os lados. A oeste, sobretudo, as montanhas, verdes, pareciam ter sido sanfonadas por forças tectônicas.
A partir daí, iniciamos descenso rumo ao ponto de acampamento. Inicialmente suave, logo enxergamos, abaixo, o belo vale conhecido como “Lagoa Dourada”. Não há lagoa. Na verdade, trata-se de mais uma campina. Observada à tarde, especialmente de abril a setembro, o tom dourado da grama, emoldurado pelas serras negras encimadas pelo azul-sem-fim do Espinhaço, justifica a licença poética do nome. À nossa esquerda, vemos uma indentação na serra negra, exatamente onde se inicia o canyon onde nadaremos, na manhã seguinte, na primeira cachoeira do rio Jaboticatubas.
Mas nada é fácil adiante: a nascente do Jaboticatubas, ao alcance da vista, e ao lado da qual acampamos, ainda demandou descida das mais íngremes: 150 metros abaixo, pedras inclinadas em negativo, com pontos em que nem mulas desciam. Os condutores tiveram que usar o enxadão várias vezes, para que as valentes cargueiras descessem com as barracas. Ao final da tarde, após 12 km de caminhada, tudo valeu a pena. O acampamento, à margem do rio com pequenos poços formados por quartzito branco, encravado na cabeceira do vale, nos revelou um luar magnífico, surreal.
Na manhã seguinte, o amanhecer foi também espetacular: no ponto onde acampamos, o sol demorou a chegar. A luz se foi derramando devagar, lenta e lindamente demudando. Recolhidas as barracas, seguimos adiante, ao longo do belo vale da Lagoa Dourada, margeando as rochas do lado direito (leste). O meio do vale é encharcadiço. Sem trilha definida, é preciso ir seguindo alguns trilhos de boi. Contudo, não há maiores dificuldades: 6 km após o acampamento, sempre mirando o canyon, chega-se, por cima, ao topo da cachoeira da Lagoa Dourada: uns 15 m de queda, e um bom poço para banho abaixo, que só recebe sol a partir do fim da manhã.
Continuando a trilha, seguimos aproximando-nos da crista rochosa à esquerda, em direção ao norte. Pepalantos, xyrias, orquídeas nos cumprimentam à passagem. Subitamente, onde se vê uma pequena tronqueira, a trilha se volta, em descida sinuosa, para a esquerda. (À direita, ainda se enxergam as vertentes do canyon das Bandeirinhas, no PARNACIPÓ). Há muitas variantes, ao longo de encostas íngremes, povoadas por canelas-de-ema, de um pedregulho de quartzito branco tão bonito quanto difícil de se descer. Tudo leva a São José da Serra, simpática comunidade fundada no início do século XIX, bem provida de pousadas e restaurantes, com boa comida mineira. Do último ponto de acampamento até a igrejinha local são 18 km de caminhada. Ufa! Mas se alguém, de carro, puder buscar os caminhantes, seria possível diminuir 4 km finais do trecho a pé. De qualquer forma: início, meio e fim da melhor qualidade!
Comentários (4)
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